1973 - Araçá Azul





1. Viola, Meu bem (Domínio Público)

2. De conversa / Cravo e canela
(Caetano Veloso) / (Milton Nascimento, Ronaldo Bastos)

3. Tu me acostumbraste
(F. Dominguez)

4. Gilberto Misterioso
(Caetano Veloso, Souzândrade)

5. De palavra em palavra
(Caetano Veloso)

6. De cara / Eu quero essa mulher
(Caetano Veloso, Monsueto Menezes, Lanny, José Batista)

8. Julia / Moreno
(Caetano Veloso)

9. Épico
(Caetano Veloso)
Comentários: 
 (...) Memória me toma muito. Reminiscência me fascinam, me estimulam, me animam, eu gosto de lembrar. Às vezes memória me toma muito, às vezes me toma demais. Hoje em dia já não tanto, mas de todo modo isso se dá comigo, como pessoa, isso se dá. No caso daquele Araça Azul, que é um disco que terminou ficando assim muito cheio disso, ele ficou muito assim por uma razão quase que inversa, porque foi um disco que eu fiz sem pensar, sem preparar pra pensar, entendeu? Não é que eu tivesse projetado fazer uma coisa assim ou assado - não, eu quase não tinha composição nenhuma quando entrei no estúdio. Tinha acho que só o Júlia/Moreno, uma coisa assim. É, Júlia/Moreno eu tinha a letra, não tinha nem música, só tinha escrito a letra, eu acho.
T - Eu lembro.
C - É, não é? E eu entrei no estúdio e em poucos dias eu disse assim: eu vou fazer, mesmo com minhas deficiências de músico eu vou fazer a parte musical, vou inventar, ou fazer o que quiser no estúdio, o que pintar, não é? Então pintou aquilo que você viu. Saí, pelo fato de ter sido feito assim, apareceu muita coisa. Muito clima de Santo Amaro, da minha cidade, muito clima da minha infância. É uma coisa que veio a ser o nome do disco, que é o negócio do sonho. Que é um sonho que eu tive, e que simbolicamente eu botei como nome do disco. Eu nem sonhava que eu queria colher araça, num araçazeiro, e eu via de repente um araça azul, diferente de todos os outros, e eu sentia que ele era meu, e que ele era lindo, e que eu queria, eu queria tirar aquele araça pra mim. Era uma emoção muito linda durante o sonho, e eu achava que o araça era como se fosse assim a minha expressão mais verdadeira, entendeu, simbolizando um pouco... quer dizer, eu usava um pouco como símbolo. Então eu peguei, como eu fiz o disco assim, meio largando tudo, me botando lá de qualquer jeito, então eu botei o nome do disco assim. Então tem um negócio de sonho e reminiscência. Mas depois a gente conversa mais.

"araca blue é sonho-segredo/ não é segredo/ araca azul fica sendo/ o nome mais belo do medo/ com fé em deus/ eu não vou morrer tão cedo/ araça azul é brinquedo"
(Araca Blue) (...)10. Araça blue
(Caetano Veloso)


Depoimento à Luiz Tenório de Lima
Outro dia, quando ia estrear o filme novo do Godard, li nos jornais as pessoas dizendo bobagens para justificar a própria preguiça em relação ao experiementalismo, defendendo um conservadorismo medíocre. Eles todos falam de defesa da emoção contra o cerebralismo. E eu, que choro de emoção vendo 50 vezes Pierrot, le Fou e Je Vous Salue Marie, morro de rir vendo Paris, Texas, que é ridículo. Tenho por isso o maior orgulho de ter feito um disco como Araçá Azul. Não acho que o trabalho tenha saído com limpidez. Fiz o disco sozinho num estúdio e não sabia usar bem o estúdio. Acho maravilhosa uma faixa como De Conversa, uma peça que não tem propriamente música nem letra. Só uma superposição de vozes e grunhidos, com sugestão de música. Apenas no final tem uma citação de Cravo e Canela, que era uma homenagem a Milton Nascimento, uma oração para que ele ficasse alegre, porque Milton era muito triste. Graças a Deus, a oração foi atendida e que Deus o conserve assim. Tem Tu Me Acostumbrastes, bacana, cantada em falsete, um clima tão gay... Julia Moreno ganhou um solo de piano de Perna Fróes que é um deslumbramento. Ganhou um grande elogio do Tarik de Souza (crítico do Jornal do Brasil) e fui até ingrato com ele, porque achava que eu não merecia aquele elogio. O problema é que o público comprava e devolvia o Araçá Azul. E outro fato histórico: o maior recorde de devolução de discos da MPB. Nessa época já estavam comprando Caetano e Chico em caminhão. Vai ver que foi por isso mesmo que houve tanta devolução: houve muita procura.
 Depoimento à Marcia Cezimbra - Jornal do Brasil - 16/05/91
O "Araçá Azul" foi uma retomada dos pensamentos que vinham à minha cabeça antes de ser preso, que de uma certa maneira me aproximava da poesia concreta, do experimentalismo, das letras, das poucas palavras. (...) Quando gravei "Araçá Azul", eu precisava fazer um disco exatamente assim. Eu estava de volta ao Brasil, livre pela primeira vez desde que tinha sido preso. Foi uma descarga da tensão, diante da prisão, era um sentimento que estava represado. Esse é o primeiro disco feito no Brasil em que eu toquei violão.
  Depoimento a Charles Gavin e Luís Pimentel - Livro "Tantas canções", 2002  
"Quando menino, e até depois, eu adorava subir no araçazeiro (a gente na Bahia chama goiaba de araçá) para tirar a fruta da vez, que é antes de ela ficar madura e ainda meio verde, dura ainda, parecendo que vai explodir. É a fruta que mais gosto. Eu adorava ficar a tarde inteira entre os galhos, cantando e procurando os araçás que já estavam no ponto.

Então, um dia eu sonhei que estava assim, no topo de um araçazeiro alto, lá em casa mesmo, procurando os araçás perfeitos, quando, de repente, vi, entre todos os outros, um araçá azul, lindo. Aquilo era como um milagre, mas era real ali. E eu já ia colher esse araçá único, deslumbrante, quando vi que Bethânia – que até então não estava – vinha subindo pelos galhos pra perto de mim. Então eu olhei para ela e disse: “Bethânia, tem um araçá aqui que é azul, ele nasceu azul!”. Ela disse assim: “Isso deve ser coisa dos japoneses que estão fazendo experiências”.
De fato, havia japoneses no recôncavo da Bahia quando a gente era menino; eles trabalhavam na lavoura, e eu ouvia dizer que faziam experiências, produziam tomates enormes, coisas assim, e, tanto tempo depois, Bethânia me disse aquilo no sonho.
Eu respondi: “Não! Venha ver, isso é lindo, você tem que vir olhar!”. E ela “Ah...” desmerecendo outra vez. “Venha! Suba pra olhar”, insisti, até que ela subiu um pouco mais. Eu disse: “Vou tirar pra mim”. Mas aí Bethânia ficou séria e sentenciou: “Se você tirar, eu me mato”. Eu repliquei: “Que loucura, que ideia louca!”. E fui tirar o araçá, achando que ela estava falando por brincadeira. Mas quando pus a mão no araçá, ela se jogou!
Fiquei desesperado, olhando. Só que ela se jogou e caiu segurando as pernas num galho abaixo. Tinha feito uma pirueta! E ficou lá, se balançando, rindo da minha cara, contente por ter me enganado. Então eu disse: “Ah!”, e arranquei o araçá azul. Mas, quando fiz isso, ela se jogou mesmo. Eu acordei desesperado!

Fiquei assustado, mas, ao mesmo tempo lembrava de como era lindo o araçá e contei ao Rogério Duarte, que também morava no Solar da Fossa, e ele fez uma interpretação do sonho: “Puxa, você não está vendo que está com medo de colher o que é seu? A Bethânia se tornou uma estrela e você, que veio ficar com ela e é um compositor, fica aqui, assim... É como se você estivesse não propriamente com inveja dela, mas soubesse que também pode colher uma coisa boa, deslumbrante, e não o faz porque tem medo, como se, com isso, fosse mata-la. Entendeu?” Foi essa a interpretação dele.

Anos mais tarde, depois que voltei de Londres, já tinha passado o Tropicalismo, fiz a música."

- Caetano em depoimento para Eucanaã Ferraz ("Sobre as letras", 2003)

Então, um dia eu sonhei que estava assim, no topo de um araçazeiro alto, lá em casa mesmo, procurando os araçás perfeitos, quando, de repente, vi, entre todos os outros, um araçá azul, lindo. Aquilo era como um milagre, mas era real ali. E eu já ia colher esse araçá único, deslumbrante, quando vi que Bethânia – que até então não estava – vinha subindo pelos galhos pra perto de mim. Então eu olhei para ela e disse: “Bethânia, tem um araçá aqui que é azul, ele nasceu azul!”. Ela disse assim: “Isso deve ser coisa dos japoneses que estão fazendo experiências”. De fato, havia japoneses no recôncavo da Bahia quando a gente era menino; eles trabalhavam na lavoura, e eu ouvia dizer que faziam experiências, produziam tomates enormes, coisas assim, e, tanto tempo depois, Bethânia me disse aquilo no sonho. Eu respondi: “Não! Venha ver, isso é lindo, você tem que vir olhar!”. E ela “Ah...” desmerecendo outra vez. “Venha! Suba pra olhar”, insisti, até que ela subiu um pouco mais. Eu disse: “Vou tirar pra mim”. Mas aí Bethânia ficou séria e sentenciou: “Se você tirar, eu me mato”. Eu repliquei: “Que loucura, que ideia louca!”. E fui tirar o araçá, achando que ela estava falando por brincadeira. Mas quando pus a mão no araçá, ela se jogou! Fiquei desesperado, olhando. Só que ela se jogou e caiu segurando as pernas num galho abaixo. Tinha feito uma pirueta! E ficou lá, se balançando, rindo da minha cara, contente por ter me enganado. Então eu disse: “Ah!”, e arranquei o araçá azul. Mas, quando fiz isso, ela se jogou mesmo. Eu acordei desesperado! 
Fiquei assustado, mas, ao mesmo tempo lembrava de como era lindo o araçá e contei ao Rogério Duarte, que também morava no Solar da Fossa, e ele fez uma interpretação do sonho: “Puxa, você não está vendo que está com medo de colher o que é seu? A Bethânia se tornou uma estrela e você, que veio ficar com ela e é um compositor, fica aqui, assim... É como se você estivesse não propriamente com inveja dela, mas soubesse que também pode colher uma coisa boa, deslumbrante, e não o faz porque tem medo, como se, com isso, fosse mata-la. Entendeu?” Foi essa a interpretação dele. 
Anos mais tarde, depois que voltei de Londres, já tinha passado o Tropicalismo, fiz a música."
- Caetano em depoimento para Eucanaã Ferraz ("Sobre as letras", 2003)
Opinião da casa:

Eis um projeto controverso, que causa o extremo na pessoas: amam ou odeiam. A maioria odeia, mas desconfio que seja por não entender. Esse disco é muito sugestivo, experimental, tem poucas canções "formais" e fecha bem com a idéia de que Caetano, se quisesse, teria ferramentas suficientes pra ser um Tom Zé de primeira mão, talvez até maior. É só ouvir "Épico", orquestrada por Rogério Duprat, gravada nas ruas de São Paulo, momento ápice do disco e "Sugar cane fields forever", uma viagem de trem a Santo Amaro da Purificação e às memórias íntimas de Caetano entremeada por vários versos inéditos.
As (poucas) canções são boas e dão uma arejada no disco que, de tão inventivo, cansa. São elas: "Tu me acostumbraste", clássico na voz de Henri Salvador; "Júlia/Moreno", leve e descompromissada, saudando a chegada do primeiro filho/filha - não se sabia o sexo, por isso o jogo de nomes - de Caetano. E outro samba de Monsueto eletrificado com guitarras, "Eu quero essa mulher", numa excelente versão transgressora e hipersexualizada. Por fim, a curta "Araçá blue", contando de um sonho.
Pra ouvir antes de "Estudando o samba" de Tom Zé (1975) e de Medulla, de Björk (2004).

Vale assistir: O som do Vinil, programa de Charles Gavin com Caetano falando sobre o disco.

4 comentários:

Anônimo disse...

Cara, Caetano é o meu cantor preferido. Conheço TUDO dele (como vc aliás...kkkkk). Sinceramente, esse disco é fraco. É como se o Salvador Dali que tinha uma capacidade técnica inigualável um dia decidisse apenas fazer rabiscos numa tela. Os rabiscos dele poderiam até ser melhores que os da maioria, mas não chegariam nem perto da estatura dos seus demais trabalhos. Vale pelo contexto histórico, mas quanto mais eu ouço esse disco, mais concluo que é muito fraco mesmo. Abs

ADEMAR AMANCIO disse...

Araça blue é linda.bem regional.

marquinhos disse...

CONCORDO! NÃO GOSTO DESSE DISCO, MAS AMO CEETANO

Anônimo disse...

Excelente blog! Mas não tem mais link? :(