1994 - Fina Estampa





1. Rumba Azul
(Armando Orefiche)

2. Pecado
(Carlos Bahr, Armando Pontier)

3. Maria Bonita
(Agustin Lara)

4. Contigo En La Distancia
(Cesar Portillo De La Luz)

5. Recuerdos De Ypacarai
(Demetrio Ortiz, Zulema Estela de Mirkin)

6. Fina Estampa
(Chabuca Granda)

7. Capullito De Aleli
(Canchola Rafael Hernandez)


8. Un Vestido Y Un Amor
(Fito Páez)

9. Maria La O
(Ernesto Lecuona)

10. Tonada De Luna Llena
(Simón Díaz)

11. Mi Cocodrilo Verde
(Jose Dolores Quinones)

12. Lamento Borincano
(Canchola Rafael Hernandez)

13. Vete De Mi
(Homero Exposito, Virgilio Expocito)

14. La Golondrina
(Narciso Serradell, Niceto de Zamacois)

15. Vuelvo Al Sur
(Fernando Ezequiel Solanas, Astor Piazzolla)

Comentários:

Para mim, o destino ideal deste disco é aprofundar o diálogo com algumas pessoas que, espalhadas pela América Espanhola, vêm há algum tempo generosamente prestando atenção à minha música. A ambição de aumentar o número dessas pessoas, embora me pareça legítima, é secundária e só aparece como subproduto do desejo da gravadora para a qual trabalho, de ampliar o mercado hispano-americano para os meus discos. O que importa, no entanto - e o que define o perfil desta 'fina estampa' - é que, apesar de ser aparentemente um gesto dirigido para fora da minha língua e da minha cultura, trata-se antes de um movimento para dentro de minha memória mais íntima e para o interior do Brasil: na cidadezinha de Santo Amaro, na Bahia, onde nasci e vivi até os 18 anos, ouviam-se, nos anos 40 e 50, canções cubanas, mexicanas, argentinas, paraguaias ou porto-riquenhas que marcaram a formação de toda uma geração. Elas são 'minhas', estão ligadas a recordações de família e de amizade que me dão uma espécie de direito sobre elas - e sem dúvida lhes dão um imenso poder sobre mim.Se hoje sou capaz, às vezes, até mesmo de conversar em espanhol (se o interlocutor não fala português), devo-o aos boleros e às rancheiras, às rumbas e aos tangos, aos merengues e as guarânias. A única coisa que não posso dizer é que foi com muita dor e dificuldade que deixei de fora um número pelo menos tão grande de canções igualmente representativas disso e, portanto, igualmente adequadas a este disco, quanto o das que gravei. E o que o número das gravei - e de que não quis abrir mão - é maior do que a gravadora desejaria.
A seleção dos títulos obedeceu, assim, a um critério autobiográfico. Mesmo “Um vestido y um amor”, colhida no último álbum de Fito Paez, refere-se a uma lembrança da primeira vez que o vi e ouvi, há muitos anos, na televisão em Buenos Aires, sem procurar nada nos canais de TV, e sem que ninguém jamais me tivesse falado dele, e logo o destaquei – e o fiz e o fiz até publicamente – pela evidência do seu talento. Naturalmente, para que fossem conhecidas de um bando de adolescentes em Santo Amaro, quase todas as canções tinham que ser o que se chama de “standarts”. Algumas não chegaram a isso – como “Mi cocrodilo verde” – e outras já estavam quase esquecidas como “Rumba azul”. Esta última – assim como “Maria la O” ou “Lamento borincano” – não é uma canção dos anos 50, mas estava sempre lá, como as outras, no repertório de orquestras de baile, nas tardes de piano de minha irmã Nicinha, no serviço de alto-falante, na vitrola de Tote Marinete. E “La golondrina” era o tema de aberturada novela radiofônica “O direito de nascer”, que parece ter durado todos os anos do meu crescimento. Quando eu estava exilado em Londres, essa canção ressurgiu pela primeira vez cantada, e por um coro – numa cena pungente do filme de Sam Peckinpah, The Wild Bunch, em que o grupo de caubóis americanos passa por entre crianças mexicanas miseráveis.
Não entendo a letra de “Maria la O”, que aliás nunca aparece cantada duas vezes da mesma maneira. Há uma barafunda de pronomes e umas ordens invertidas que são ininteligíveis. No entanto, a beleza misteriosa e insinuante da canção nada perde com isso. A letra de “La golondrina” chegou-me também envolta de dúvidas. Escolhi trechos que fizessem sentido. Vi que, cantado, tudo aquilo faz todo sentido. “Fina estampa” sempre me fascinou por ser, à primeira vista, uma canção feita por uma mulher sobre um homem à maneira das canções feitas por homens sobre mulheres. Mas o fato é que, como a palavra “vereda” em português só é usada para designar uma trilha no mato e nunca uma rua ou estrada urbana, esse deslumbrante “cavalheiro” (ou cavaleiro?), que esconde e exibe o sorriso por sobre um chapéu, sempre me pareceu uma visão de Oxóssi, o orixá da religião afro-baiana a que, dizem, pertenço e de quem, portanto, teria as características. Desse modo, “Fina estampa” me parece o título certo para um disco tão requintado e delicadamente orquestrado por Jaques Morelenbaum – e em que canto com tanto cuidado -, ao mesmo tempo que funciona como uma referência a um eu meu bonito, representado na figura do orixá entrevisto nas palavras da valsa de Chabuca.
Andar, andar.
Eu não sabia todas as letras por inteiro. E, mesmo nos casos em que parecia saber, não confiava no espanhol de minha memória de menino. Precisei pedir auxílio, e Manolo Calderón e Tânia Libertad, da Cidade do México, foram prestimosos e solícitos. O artista plástico Luciano Figueiredo também contribuiu com gravações de orquestra de Lecuona, que, por sua vez, Fabiano Canosa lhe conseguira. Mas foi aqui no Rio que eu encontrei a fada-madrinha do repertório deste disco na pessoa de Márcia Rodrigues, a bela e inteligente carioca que fora a Garota de Ipanema no filme de Leon Hirszman, inspirado na canção, sendo a melhor coisa daquele filme – e que também protagonizou a obra-prima de Júlio Bressane, “Matou a família e foi ao cinema”, na qual ela é uma das mais belas visões à história do cinema brasileiro, cantando “When I’m sixty-four”. Essa moça tem um arquivo de gravações hispano-americanas (ela liderou por algum tempo um programa de rádio especializado nisso) e não só desfez dúvidas, como também apresentou canções que eu não conhecia e fez sugestões que, de outro modo, não me ocorreriam. “Tonada de luna llena” me foi apresentada por ela (Simón Diaz me foi apresentado por ela!) e “Vuelvo al Sur”, que eu já conhecia do filme de Solanas, me foi sugerida por ela.
Isso de aprofundar o diálogo me levaria a canções novas (ou novas para mim) de qualquer jeito. Não poderia ficar, na memória e na autobiografia. “Tonada de luna llena” é, para mim, a descoberta de um mundo. “Vuelvo al Sur”, no casamento da prosódia argentina com a batida da bossa nova – Piazzola e João Gilberto fundidos pela primeira vez? - , é a realização sonora da sugestão já presente em Solanas de ampliar o campo semântico da palavra Sul para abranger todo o nosso subcontinente – e, agora, todo hemisfério austral. Mas o que traz verdadeiramente profundidade a esse desajeitado diálogo é o trabalho musical de Jaques Morelenbaum sobre as canções escolhidas. A seriedade, a competência, o carinho e a carga de emoção que ele colocou nos arranjos dizem mais sobre o empenho de dignificação da postura cultural latino-americana do que milhões de palavras ou atos políticos.
O trabalho gráfico e plástico realizado e conduzido pelo refinadíssimo cantor/desenhista Carlos Fernando – que, vencendo a barreira da minha própria timidez, propôs à genial Anna Mariani que fotografasse a fachada da Ordem da Terceira de São Francisco para a contracapa – reafirma seu empenho.
Naturalmente, além das muitas canções na mesma linha das gravadas e que, no entanto, ficaram de fora, há lacunas de outra natureza que me mostram a incompletude do projeto. Não há um só exemplo do que se produziu no Chile nos anos 60. Não há Parras nem Jara nem Silvio Rodriguez nem Pablo Milanés. Cheguei a planejar gravar “Volver a los diecisiete”, mas desisti diante do que já se fez de maravilhoso com esse tema – no Brasil (Milton!). Cheguei também a pedir sugestões a Chico Buarque sobre o repertório de Rodriguez e Milanés. Mas, embora ao ouvi-los em maior quantidade e frequência minha admiração tenha crescido ainda mais, terminei por sentir que a inclusão de uma canção assim traria gosto de “pesquisa” ou de responsabilidade que não condizia com o clima do disco. Ainda assim pensei em gravar “Yolanda”, que eu idolatro, mas, de novo, a gravação brasileira de Simone com Chico me pareceu insuperável. Além disso, a essa altura o disco já tinha dezesseis faixas. Fica pra outra? Não sei. Mas considero a ausência desses autores um defeito grave deste trabalho. Embora eu saiba que não se pode – nem se deve – fazer tudo. . 

Caetano Veloso - Release do disco "Fina Estampa", 1994 

"Eu planejava fazer um álbum como este por muitos anos, e desde os anos setenta sonho em fazer um álbum de canções latino-americanos, canções que ouvi quando criança, que achei encantadoras e nunca esqueci. Mas deixava sempre para o ano seguinte.”
“Há melancolia porque é uma evocação da infância, mas também aquela doce alegria que vem daquele tempo com as canções; em si as canções são nostálgicas". 
"Nós, ibero-americanos, temos aquele sentimento de pertencer a países que não puderam expressar sua força, afirmar sua existência com total dignidade. Nós sentimos essa sombra de pressão porque nossos países não conseguiram se desenvolver economicamente. Devemos trabalhar para auto-avaliação cultural para contribuir para soluções sociais e econômicas podem vir" 
Marta Latorre, A BC SHOWS - Madrid- 7/10/1995
Opinião da casa:

Começa a frutífera parceria com o maestro Jacques Morelenbaum. Arranjos orquestrais, produções mais complexas e maduras. 
Gosto bastante do tratamento dado a essas canções. Caetano é um intérprete com recursos e mostrou-se um curador sensível ao trazer uma parte de sua memória afetiva nas escolhas do repertório. Essea escolha, inclusive, foi mais sábia e original do que a proposta pela gravadora à época: fazer um disco com versões em espanhol de hits de Caetano. 
Gosto de "Rumba azul" e "Maria la O". Os destaques foram "Tonada de Luna llena" e "Lamento Boricano". Acabou virando uma referencial da canção latino americana no mundo. 

4 comentários:

Anônimo disse...


Parabens, Muito Obrigado.

Anônimo disse...

Excelente!

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

O que posso comentar, se nos seus comentários ja diz tudo, perfeito, esse disco ficou original, além do que as finadas gravadoras costumavam sugerir!